terça-feira, 28 de julho de 2015

Volta a França 2015 - Balanço Final


No passado domingo Chris Froome consagrou-se em Paris como bi-vencedor da maior prova de ciclismo do mundo - o Tour. No pódio instalado na mais famosa avenida francesa, Quintana e Valverde fizeram a guarda de honra ao britânico que dominou a "grande boucle", mas que simultâneamente passou por um calvário psicológico que lhe deve ter parecido interminável. Tudo por culpa da exibição "extra-terrestre" que fez na chagada à Pierre-Saint-Martin, onde aniquilou toda a gente. Nesse dia, nesta barraca, poucos momentos após Froome cortar a meta, foi dito que aquele dia ficaria na história... e poderia não ser só pelos bons motivos. Não demorou.. mais que umas horas para se confirmar a ideia. Até Paris, o maior obstáculo de Froome, não foi Quintana, não foi Contador, nem Nibali, nem outro qualquer... foi o doping!

A minha visão deste Tour:
Onde ganhou Froome esta Volta a França? É sempre uma questão que se coloca quando termina uma grande prova... tentar perceber qual o momento chave! Há quem diga que foi na primeira semana.. há quem diga que foi na Pierre-Saint-Matin.. ou até mesmo no Alpe D'Huez, onde soube aguentar o ataque de Quintana... ou naturalmente em todos esses dias e ainda mais meia dúzia... Claro que para se ganhar o Tour, que é uma prova de regularidade, é preciso ganhar qualquer coisa todos os dias.. mas há sempre momentos (um, dois, três) chave... e mesmo nesses, uns são mais que outros. Froome não começou teoricamente da melhor maneira, pois no primeiro dia viu Quintana ficar muito perto de si, numa prova de contra-relógio. A estratégia da Movistar esteve melhor nesse dia, porque prevendo mudanças de vento... mandou Quintana fazer a prova mais cedo, tirando partido disso. Mas, como diz o outro, eram "peaners", pois no dia seguinte a Sky "pôs o vento a seu favor", e com ajuda da Thinkoff distanciou quase toda a gente com os cortes do pelotão. Nesse dia a Movistar foi inocente... Nibali foi azarado... Froome e Contador inteligentes. Durante o resto da primeira semana a Sky e Froome não mais fizeram do que garantir o bom posicionamento e serviços mínimos que permitissem ao britânico não se atrasar para ninguém.. e isso permitiu que aqui e ali a diferenças aumentassem, pois num dia falhava Quintana, no outro, cedia um pouco Contador, Nibali.. Pinot... etc.. Aos poucos todos se distanciavam ligeiramente, e Froome já estava de líder! Ao primeiro dia de descanso as diferenças já eram importantes, mas pensava-se que agora iria começar o melhor Tour das últimas décadas... Vinha a montanha... e muitas jogadas de vários experientes jogadores, a maioria já vencedores de grandes provas - incluindo o Tour. Durante o dia de descanso a Sky jogou alto! Preparou a táctica de 2013... foi jantar num belo restaurante de Marte.. e trouxe consigo três mutantes... que durante alguns dias seriam mais marcianos que terrestres! Froome, Porte e Thomas! A táctica está longe de ser nova, mas surpreendeu todos! Ninguém se precaveu da mesma forma, para evitar que a Sky fizesse o mesmo que em 2013. Talvez porque pensavam que a etapa chave seria apenas no Plateau de Beille, e não num dia onde toda a etapa era plana, menos os últimos cerca de 15 km. O certo é que a Sky meteu medo, e impôs respeito! O rapaz que veio da pista, e andava bem nas clássicas, ou na aproximação às chegadas mais rápidas, estava mais à vontade na alta montanha que antigos vencedores do Tour... Porte, depois de meses a fio a ganhar.. depois de apontar um pico de forma ao Giro... estava igualmente pujante como nunca! Melhor na montanha que Quintana, depois de trabalhar para o seu líder - impensável! O choque foi tão grande, que no dia seguinte ninguém ousou mexer-se! Todos tranquilos, Tourmalet acima... à espera que a digestão do jantar se fizesse sem mais problemas! Mais do mesmo no Plateau de Beille! A Sky não mostrava problemas com o que estava a fazer, e novamente Thomas despejava subida acima lideres de equipa, vencedores de grande provas... como se a sua dedicação a Froome, e o seu treino tivesse sido tão bom, que permitia ser um dos melhores trepadores do mundo durante vários dias! O Tour estava acabado! A mensagem da Sky era de força... e falta de vergonha pelo que fazia a todos, com a simples justificação que treinam melhor que todos os outros. Os fãs da Sky aclamavam a explicação... outros ignoraram , e com a cabeça debaixo da areia diziam que não há por que desconfiar - é preciso defender a modalidade, mas muitos explodiam de azia, questionando como seria possível atingir aquelas performances. No entanto, o centro das atenções eram sobretudo Froome - porque era ele o líder. E defender um grande atleta como Froome era mais simples. Durante alguns dias, e até ao segundo dia de descanso a Sky foi gerindo as indigestões.. e preparando os números adequados para calar alguma vozes - que insistentemente reclamavam por explicações. Apesar de inicialmente ninguém (da Sky) saber o peso de Froome - quase nem o próprio sabia - no dia de descanso a Sky divulgava números... de Froome! E aparentemente estava tudo bem.. todos os números estavam dentro dos limites que se poderiam considerar humanos! No entanto, havia um pequeno senão... Segundo aqueles dados, Froome teria despendido menos energia durante a subida da Pierre-Saint-Martin, que alguns dos que ficaram atrás de si, e disponibilizam os seus dados publicamente.Mais, alguns dos dados, colocados em modelos trabalhados ao longo dos últimos anos por gente que investiga o fenómeno do doping... davam ainda mais força às terias que a performance não estava certa!..Vinham aí os Alpes... e a questão da Sky não era como ganhar o Tour.. mas sim como poder estar em Paris sem assobios e apupos ao seu líder! Solução?! Mostrar que a equipa falhava.. e que Froome falhava! A vantagem era confortável, e apenas era preciso gerir o que se tinha ganho até à 10ª etapa. Então,Thomas voltou a ser quase humano (mesmo depois deste ter afirmado que sonhava com o pódio e o seu líder de equipa dizer que era justo e possível), embora só quando era garantido que Froome não ficaria verdadeiramente sozinho... Wout Poels justificou os treinos com Froome no Teide, e surgiu capaz de dar preciosas mãozinhas, mas sem exagerar... Porte (apesar de dizer que estava doente e a antibióticos) apareceu sempre que solicitado... Froome controlou sempre... até mesmo na última montanha do Tour, onde permitiu uma vantagem de um minuto a Quintana... a mesma que tinha conseguido na Pierre-Saint-Martin. Depois desta etapa, poderia Froome dizer que foi muito complicado... e que provavelmente teria ganho a prova no corte de vento da segunda etapa.. e não por estar dopado, e ter ganho mais de 1 minuto a Quintana, ou 4 a Nibali numa só etapa... afinal.. os outros também o tinham feito! Mas há pormenores que fazem a diferença! Até a controlar Froome e a Sky foram metódicos! Liberdade para Quintana, só nas últimas subidas... só nos últimos quilómetros.. e até poucos quilómetros da meta.. só a vantagem que eles consideravam segura! A subida para a Toussuire foi a mais elucidativa.. Quintana teve liberdade para ir a 5/6 km para a meta.. mas teve 15 segundos de liberdade... até que a cerca de dois km... teve mais 10... No Alpe D'Huez teve cerca de 30/40 segundos de liberdade... até que a 3/4 quilómetros... teve um minuto.. a dois quilómetros, teve mais um pouco.. e já está.. ganhou com menos de minuto e meio de vantagem, gastando cerca de 50% da distancia que podia ser gerida. Brilhante! Agora era desfrutar da vitória, de forma mais tranquila em Paris! Mas não foi só assim! Enquanto em Paris Froome fazia o tradicional brinde de champanhe em cima de bicicleta... e ouvia aplausos, ouvia igualmente muitos assobios e apupos! O tempo se encarregará de fazer esquecer a forma como Froome ganhou... a não ser que Porte ou Thomas um dia façam o papel de Landis ou Hamilton! Ficará para a história a vitória de Froome.. caso a tranquilidade impere neste ciclistas durante muitos anos. 

O Positivo do Tour:
Não se poderia fazer um balanço sem falar das coisas boas desta edição do Tour! Afinal, o frenesim da aproximação da prova, com tantos candidatos foi boa para ajudar ao espectáculo. As audiências, ao que parece, cresceram... Há que salientar a pouca pasmaceira.. poucas etapas foram longos bocejos.. para isso muito ajudou o traçado.. embora os spriters não devam achar o mesmo! Mas poucos se podem queixar... pois raros foram os casos de sucesso, tendo Greipel dominado esta especialidade, e Cavendish conseguido a sua etapazinha. 
Sagan foi claramente o mais combativo - apesar da organização ter achado que foi Bardet. É sempre bom ver a forma como Sagan aborda as corridas, com a descontracção e divertimento que torna tudo mais "soft" no mundo das pressões e obrigações. 
Há que elogiar os jovens franceses (Pinot e Bardet), que apesar de terem perdido as hipóteses na geral bem cedo, estiveram incansáveis ao longo das semanas de montanha para chegarem à vitória de etapa! Ambos conseguiram.. e Pinot conseguiu na mais mítica delas todas - Alpe D'Huez. 
E também não se poderia esquecer os ataques de Nibali e Contador! Dois campeões! Dois vencedores do Tour... duas das muito poucas personagens que apresentam no seu curriculum todas as grande provas por etapas.. cedo perceberam que seria difícil levar a amarela com eles. Fácil teria sido encostar a bicicleta... e ir para casa preparar uma outra corrida. Não só estiveram lá, como foram os que mais tentaram lutar contra a hegemonia da Sky.. atacando de longe.. procurando fugas... uma surpresa... uma etapa.. um pódio... Nibali esteve quase no pódio, mas ficou-se por uma vitória de etapa! Sobretudo, mostrou o carácter dos grandes - bravissimo vincenzo! Uma menção honrosa ainda para Tejay Van Garderen! Esteve muito bem, enquanto esteve.. mas mais uma vez não correu bem... Ficou a boa imagem.

O Negativo do Tour:
Tudo o que envolveu a Sky não pode ser positivo. Não pode porque quem perde é o ciclismo... não pode porque gente mais acéfala ainda tenta atacar os ciclistas na estrada... não pode porque mata o espectáculo - como disse e bem no final o senhor Tinkoff ("parabéns Sky, foi muito bom, mas assim vão matar o negócio"). 
A falta de agressividade da Movistar durante tantas etapas e montanhas, preocupando-se sempre mais em assegurar o seu podio, antes de ir à caça da vitória. Foi pouco.. esperaram apenas pelas ultimas etapas, nas ultimas subidas... para ter como consolação os dois lugares mais baixos do podio de Paris. Quintana diz que tem tempo para ganhar o Tour... ainda é novo. Verdade! Mas não deverá ter outra oportunidade tão boa.. os contra-relógios vão seguramente voltar.. e ninguém sabe quem aparecerá amanhã para competir com ele. 

E agora resta esperar por 2016... para ver de novo tudo acontecer! Até lá ainda haverá varias novelas... A Vuelta começa daqui a três semanas...

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